Como o professor deve intervir na resolução de conflitos?
Na semana passada abordamos a questão de como a experiência com grupos heterogêneos na Educação Infantil favorece uma regulação mais autônoma dos conflitos por parte das crianças (link). Neste post falaremos mais sobre como o professor deve intervir na resolução de conflitos.
Algumas regras são claras, geradas pelo princípio de que, na escola, as crianças precisam respeitar o adulto, as outras crianças e as situações de aprendizagem propostas. Nesse sentido, não é permitido tirar objetos da mão do outro sem pedir, agredir fisicamente, pegar para si o que pertence a outro ou à escola, rasgar os materiais utilizados nas atividades etc.
Outras regras, no entanto, envolvem questões subjetivas, que exigem debate e sofrem interferência de diferentes razões ou circunstâncias. Quem manda na brincadeira? Vale a mesma criança mandar o tempo todo? Uma criança tem o direito de dirigir-se para o lanche de mãos dadas sempre com o mesmo colega? Quem propõe uma brincadeira tem o direito de escolher quem pode participar ou não? Uma criança pode impedir que outra se sente ao seu lado na roda de conversa?
As crianças, além disso, abandonam as agressões físicas e, antes que possamos nos aliviar, passam a utilizar agressões verbais. Xingam-se e trocam ameaças, como “Eu não brinco mais com você” ou “Você não vai mais na minha casa”, e por vezes choram como se isso doesse mais do que um pontapé.
Soma-se a isso o fato de que as crianças dizem o que pensam sem considerar como se sentiriam se estivessem no lugar de quem as está ouvindo, comentando, por exemplo, que o desenho de um colega está horrível ou que o cabelo de um colega, que chegou com um novo corte, está ridículo.
As crianças não precisam ser amigas de todas as demais, nem convidar todas igualmente para ir à sua casa, nem contar segredos distribuindo-os de forma equilibrada aos colegas… Na escola, porém, não podem excluir intencionalmente outras crianças de suas brincadeiras e precisam aprender a manter atitudes respeitosas, com discrição quanto a convites e confidências particulares. Uma coisa é não convidar um colega, outra é dizer que não vai convidá-lo, ou que está convidando o outro colega pela terceira vez, em detrimento dele. Uma coisa é não contar um segredo, outra é contar na frente de um colega, sem deixá-lo ouvir, ou lembrar que compartilha com o outro um segredo que ele desconhece. Isso, que parece uma obviedade, é uma sutileza que precisa ser aprendida.
Acreditamos que a intervenção do adulto, em todos esses aspectos, é fundamental, explicitando as regras, apoiando a verbalização dos incômodos e a imposição de limites entre as próprias crianças, abrindo espaço para conversas sobre as questões mais subjetivas – que dependem do incômodo que as situações geram em cada um no grupo e exigem acordos particulares – e mostrando indignação diante de comentários ou atitudes que, mesmo sem a intenção, são desrespeitosos ou magoam.
As crianças não precisam ter medo do adulto para conter seus impulsos e aprender a agir de forma respeitosa com os demais, e nem é isso que queremos, já que, dessa forma, agiriam conforme seus impulsos caso um adulto não estivesse por perto e acreditassem que ele não viria a ter conhecimento.
Uma conversa calma e séria sobre como são tratadas por nós, que as educamos para tratarem os demais com respeito, mostrando indignação por atos que consideramos desrespeitosos e agressivos, nos revelou ser o melhor caminho, confiando na necessidade que as crianças pequenas têm de corresponder às expectativas e se sentir aprovadas pelos adultos com os quais mantêm vínculos de confiança.
Mesmo as crianças mais difíceis, que parecem não se importar com o que dizemos, sentimos ou pensamos, e que defendem firmemente seu direito de fazer o que querem, aprendem gradualmente a se conter caso tenham a possibilidade de estabelecer um vínculo saudável com o adulto e se sintam acolhidas no contrato coletivo estabelecido, em troca do prazer de serem queridas no grupo.
Algumas crianças, em certos períodos, chegam a precisar ser contidas fisicamente por um adulto. Se o fizermos com firmeza, sem raiva e com a certeza de que estamos contribuindo para que possam conviver em grupo, podemos de fato ajudá-las a se conter, enquanto solicitamos que aprendam a fazê-lo sozinhas.
Há crianças que se mostram terríveis, por exemplo quando descem para o parque e batem nos colegas ou perturbam a brincadeira ora de um, ora de outro. Dizemos então que já chega e pedimos que se sentem ao nosso lado para observar como os demais estão brincando de forma respeitosa. E não é que eles se sentam? E só se levantam quando dizemos que podem voltar à brincadeira, depois de se comprometerem a voltar de um jeito mais respeitoso. Isso mostra que mantêm e se importam com o vínculo estabelecido conosco.
As conversas com uma criança só não podem virar um sermão. Um sermão é quando o adulto fala sozinho, por vezes com a voz alterada, repetindo tudo aquilo que a criança já se cansou de ouvir, o que a leva a se distanciar afetivamente da situação. Aquele adulto, para ela, é um chato; então ela dá de ombros, suporta ouvi-lo dizer o que quiser e mantê-la afastada da brincadeira, mas depois faz o que quer e ri do desespero do adulto, demonstrando prazer pelo fato de que ninguém a controla. As crianças são muito mais ágeis em nos controlar e não temos por que entrar nessa disputa.
Precisamos achar o tom da conversa, que nasce do vínculo que temos com aquela criança, da clareza que temos do que ela precisa aprender e da firmeza de que não vamos abrir mão daquela exigência. É como se disséssemos: “Gosto de você e vou continuar gostando, então não vou deixar que estrague isso, que me faça ficar com raiva tendo atitudes agressivas em relação a mim ou aos demais”.
Em geral a conversa basta, mesmo que precise ser repetida muitas vezes em circunstâncias similares. Algumas situações de contenção física podem ser também necessárias. Se, nesse processo, avaliamos que o vínculo estabelecido é frágil e que as intervenções não têm resultado, ainda que gradual, é fundamental buscar orientação especializada.
O olhar e a intervenção do professor são importantes nesse processo. Se o professor deixa passar situações de ofensa, injustiça, exclusão, mesmo que não intencionais, sem intervir, esses modos de relação vão se estabelecendo entre as crianças. A conversa constante com as crianças, coletiva e individual, a partir da reflexão do professor sobre as atitudes e necessidade de aprendizado de cada uma, é que vai garantir um avanço do grupo na questão da gestão e autorregulação dos conflitos próprios da convivência de forma amistosa, solidária, respeitosa, ética.
Adriana Mangabeira
Atual coordenadora do Ensino Fundamental I e uma das autoras do documento curricular do Colégio Equipe da Educação Infantil