Noite de estrelas, dias sombrios

O céu da tarde se fechou em noite como se chuva forte viesse a cair sobre nossa cidade. Justamente nesse momento eu pegava o avião rumo ao Rio de Janeiro, acompanhando a professora Ausonia, que faria uma participação especial no “Programa Criança Esperança” da Rede Globo. O que sabíamos é que, neste ano, a emissora decidiu homenagear os professores e Ausonia faria parte dessa homenagem, como professora há mais de 50 anos.

Acima das nuvens, o sol brilhava junto com a expectativa do que iria acontecer. Parte da homenagem já tinha ocorrido em São Paulo: um grupo de ex-alunos de gerações diferentes foi reunido em uma sala de aula e diziam o que haviam aprendido com ela. Muito emocionante, porque ela não sabia de nada! E eu só não fiz parte desse grupo porque haviam me explicado que queriam profissionais que não tinham seguido a Educação. Esse material se transformaria em um filme curto, que seria passado no dia do programa.

Pelo menos tive a chance de acompanhá-la! As filmagens tinham sido no CEU da Vila Formosa, num domingo de junho, e levou do meio da tarde até umas onze horas da noite. “No momento atual, um veículo de comunicação decide homenagear o professor, eu tenho que valorizar!”, dizia ela, no caminho de volta, tentando elaborar tantas emoções. Aproveito para brincar:

− Quando me disseram que você precisava de uma companhia para gravar a participação no programa da Globo, eu me ofereci, claro! Pensei: “Vou para o Projac, vou andar de carrinho de golfe, tirar selfie com o Gianecchini…”. E olha o que aconteceu: fui para a Vila Formosa, de Uber, e, se quisesse tirar selfie, era com ex-aluno do Equipe?!!

− Ah! Era por causa desses interesses que foi me fazer companhia, filhinha?!!

Rimos.

E não é que a Globo chama a Ausonia para ir para o Rio de Janeiro!? Claro que tinha que ir! Não sabíamos se ela ia apenas assistir ao programa ao vivo ou se ainda teria algum tipo de participação. Verdade que tentaram levar a professora no domingo, mas ela não aceitou. Por quê? Porque às segundas pela manhã dá suas aulas de Monografia. Uma professora não podia deixar o seu ofício! Por certo insistiram e revelaram que essa insistência era para coincidir a agenda dela com a do Renato Aragão. Renato Aragão? Pois é, a ideia era de que tivessem uma participação juntos.

Depois de duas horas de trânsito, observando a paisagem periférica, chegamos ao Projac. E o que nos aguardava? Um carrinho de golfe!!! Não pude deixar de fotografar primeiro o carrinho, depois eu e ela no carrinho. Já de cara, cruzo com a Elba Ramalho. Mas a pressa era grande! Ausonia tinha que se preparar. De cá para lá, de lá para cá, pulseirinhas, camarins, até que nos levam para onde seria a gravação. Sentadas, vimos Renato Aragão chegar com a esposa, Sandy sair do estúdio, Tatá Werneck, grávida, perguntar se podia fazer xixi. Incrível! Mas constatava o óbvio: todas aquelas figuras eram gente… Só que não podia deixar de fotografar e, quando vejo, está lá Ausonia batendo um papo com Renato Aragão antes de entrar em cena. Fotografo também!

Os dois foram chamados ao palco com Dira Paes. Primeiro passam o filme gravado na Vila Formosa. Eu choro! Assim que termina a projeção, a plateia começa a gritar “Ausonia, Ausonia, Ausonia!”. E eu fico absolutamente estupefata: as crianças na escola é que gritam assim quando encerra um evento. “Como ela causava a mesma reação em uma plateia desconhecida?!!” Impressionante. Impossível fotografar!

Apesar das luzes, câmeras e toda a parafernália de um estúdio de gravação global, ela conseguiu ser ela mesma e, por isso, encantou a todos. Agradeceu o carinho, emocionada, sempre olhando para a plateia, com uma desenvoltura absurda, dá o seu recado: “Um professor precisa conhecer seus alunos, seus contextos de vida, se não amar seus alunos, não se consegue educá-los, não se é professor de repente, se torna professor aprendendo com os alunos e com os colegas e, sozinha, a educação não consegue fazer nenhuma revolução, mas sem a educação não se consegue nenhuma mudança, porque o que se precisa é de pessoas melhores e isso só se consegue com educação!”.

Mais ainda chorei!! Que bela sua fala transmitida em rede nacional! Conseguiu emocionar não só o público e a mim, mas todos os atores presentes no palco que, em pé, a aplaudiam! Assim que acabam de gravar, muitos vieram cumprimentá-la e abraçá-la: Camila Pitanga, Aílton Graça, Caco Barcellos, Nanda Costa, Tony Ramos, Astrid Fontenelle e outros que já vi nas telas, mas que não guardei seus nomes. Claro que fotografei!

Ficamos para assistir ao programa ao vivo. Antes disso, cruzei com o Cauã Reymond, Rafael Vitti (o marido da Tatá Werneck), Fabrício Boliveira e outros galãs. Porém, a vergonha me impediu de tirar selfies com eles… Mas para quê, se já era a acompanhante da grande estrela da noite?! Ao lado da presidente da Unesco, assistimos a todas as apresentações. Nada é improvisado. Só a fala da Ausonia.

O programa em si surpreendeu com sua mensagem em defesa das minorias, das mulheres e do meio ambiente e da educação, é claro. Ao final, muitas selfies com a professora. Ela, com seu jeito único, acolhia a todos! Para falar a verdade, não sei por que me surpreendi, pois vejo isso acontecer quase diariamente trabalhando ao seu lado.

No dia seguinte acordamos cedo porque o carro que nos levaria ao aeroporto passaria às oito, embora o voo fosse apenas ao meio-dia. Nem deu para achar ruim porque o Rio de Janeiro acordou nervoso naquela manhã: um ônibus tinha sido sequestrado na Ponte Rio-Niterói, afetando o tráfego da cidade. Sorte que chegamos a tempo de pegarmos o avião uma hora mais cedo.

De volta a São Paulo, fico sabendo que o céu negro da segunda-feira não era de chuva, mas da fumaça da Amazônia em chamas. Também leio a notícia de que o governador do Rio vibrou com a ação dos atiradores de elite que mataram o sequestrador do ônibus. Com seis tiros. Para ele, a ação foi bem-sucedida… A vivência era de uma contradição profunda: eu junto com a Ausonia inebriada com os efeitos positivos da sua mensagem de esperança enquanto toda essa barbárie acontecia!

Só lamentei não incluírem no filme o que falou para seus ex-alunos (que sempre são alunos) na Vila Formosa: diferenciou a esperança vinda do verbo esperar, de passividade, da esperança do verbo esperançar, criado por Paulo Freire, de ir em direção do que se deseja. Desde meus 14 anos falo que quero ser como a Ausonia, não por acaso segui seus passos profissionais. Hoje, com 50, continuo tentando e acreditando, como ela, que um mundo melhor é possível. Importante mesmo é persistir perseguindo nossos sonhos, o importante mesmo é esperançar.

 

Luciana Fevorini
Diretora Escolar