O que está em jogo na MP 746/2016?

A Reforma Educacional do Ensino Médio é tema em pauta, inclusive em propagandas que o governo tem veiculado desde o final de 2016, após críticas provenientes de educadores e de diferentes instituições representativas. Não é possível desvincular o caráter político da MP, considerando a conjuntura atual. É importante destacar que o currículo é território disputado ideologicamente. Portanto, muitas das contestações estão relacionadas à maneira como a Reforma está sendo proposta, excluindo do debate os verdadeiros interessados: estudantes e educadores.

Surpreende a forma como os jovens reagiram à MP: ocupando e permanecendo nas escolas, assumindo seu caráter público, valorizando o espaço da escola enquanto espaço de atuação política.

Muitas das discussões intrínsecas à proposta de EM, contida na MP, retratam um modelo de sociedade em que transparece a urgência em inserir o jovem no mercado de trabalho, restringindo o acesso à vida universitária para alguns somente. Essa perspectiva educacional, que ressurge, historicamente, de tempos em tempos, traz intrínseca a ideia de que somente parte dos estudantes deve ter acesso à universidade. Outra ideia passível de questionamento é relativa à suposta vocação, como se os jovens aos 14 anos a tivessem predefinida.

Um aspecto importante é refletir acerca da exclusão, evasão, desinteresse dos alunos pela escola. Nesse sentido, são aspectos diferentes:

– Como propiciar condições reais para que o aluno permaneça na escola?

– Como tornar a aprendizagem significativa, sintonizada em relação ao que o jovem vive para além da escola. Esse abismo é, muitas  vezes, o que produz o desinteresse dos alunos?

É incômoda a desvalorização docente, quando fica claro que o professor poderá ser substituído por pessoa estranha à especialização que caracteriza o “ser professor”. Nessa perspectiva, é preciso repensar a formação docente, fortalecer profissionalmente o professor no espaço escolar. Valorizar sua autonomia, criatividade, favorecer espaços de debate entre educadores. Queremos uma nova escola? Mas como viabilizá-la se os procedimentos mantêm-se antigos, antiquados, pouco sintonizados com as questões da juventude? Muitas vezes, a cultura juvenil causa estranhamento, rejeição e medo.

É preciso repensar os tempos escolares, os espaços físicos em que a formação acontece; é preciso repensar os papéis sociais envolvidos no processo educacional.

Também é preciso repensar o papel social do adolescente. O jovem É: capaz de pensar de forma autônoma, de opinar, de decidir, de assumir responsabilidades, desde que existam espaços culturais e sociais que favoreçam esses aprendizados. Nessa perspectiva, o espaço escolar precisa ser uma construção coletiva, de caráter colaborativo, entre jovens e educadores. As relações que se constroem no espaço educacional precisam ser significativas para estudantes e educadores. É preciso identificar e refletir sobre as lacunas entre teoria e prática; e superar essas lacunas deve ser uma meta importante dessa construção coletiva.

Nesse sentido, alguns componentes hegemônicos presentes no discurso educacional da atualidade precisam ser praticados no cotidiano: inclusão, diversidade, igualdade de oportunidades, respeito às características individuais, pluralidade etc. O jovem é curioso, quer conhecer, explorar, adora discutir, gosta de artes, de educação física. Portanto, fica difícil considerar uma reforma que exclua práticas que, muitas vezes, para alguns jovens, ocorrem, preponderantemente, no ambiente escolar.

A proposta de flexibilização do currículo precisa ser pensada pelas equipes educacionais e pelos alunos e não como um modelo que chega verticalizado na escola. Não adianta simplesmente aumentar o número de horas de permanência na escola. Aliás, essa medida entra em contradição com diagnósticos relacionados às dificuldades econômicas de muitos jovens. Nesse sentido, essa medida não seria elitista? Quantos jovens poderão permanecer o dia todo na escola?

Que currículo de EM pode contribuir para a equidade e igualdade social?

Que saberes e habilidades são necessários para que os jovens possam compreender e participar do atual contexto social, político e econômico?

Que práticas escolares podem fortalecer as escolhas dos jovens em sua trajetória de vida?

Pensando no currículo que construímos no Colégio Equipe, algumas marcas curriculares são significativas e conferem identidade ao nosso Projeto Político-Pedagógico:

  • a ocorrência de projetos autorais e interdisciplinares, que colocam os alunos em contato com realidades diversas;
  • a valorização do exercício da palavra por meio da leitura e reflexão escrita e oral;
  • a valorização de formas de expressão artística e cultural;
  • o estímulo permanente à problematização e à desnaturalização dos processos sociais;
  • a inserção em metodologias próprias nas diferentes áreas do conhecimento;
  • diferentes estratégias curriculares de caráter interdisciplinar, com intersecção entre Ciências Humanas, Ciências da Natureza e Matemática e Física;
  • a valorização de iniciativas juvenis, como também o incentivo à responsabilização dos estudantes em relação às suas propostas;
  • os projetos sociais como forma de favorecer práticas pautadas na responsabilidade social;
  • as práticas de monitoria interséries e ciclos;
  • as atividades propostas pelo Grêmio Estudantil;
  • as propostas dos alunos, como o COLETIVO FEMINISTA;
  • as discussões permanentes no sentido de aprimorar o currículo: este ano vivemos a inovação do PROJETO COLETIVO DO ENSINO MÉDIO: Em que cidade vivemos? Que cidade queremos?, promovendo atividades interséries, fóruns de debate entre os alunos, recebendo especialistas e com aulas especiais elaboradas pelos professores da casa;
  • o permanente processo de discussão do corpo docente, coordenação e direção acerca das particularidades do cotidiano, em busca de práticas coletivas coerentes com os valores educacionais da escola.

Gostaria de concluir que considero importante a ocorrência de políticas de Estado para todos os setores essenciais da vida pública, como a educação. No entanto, as decisões precisam estar sintonizadas com os atores que, cotidianamente, enfrentam os desafios que envolvem suas práticas, como também devem estar sintonizadas com valores democráticos, que partam do princípio básico da equidade, para que possamos avançar na construção de uma sociedade pautada em justiça social.

 

Eliane Yambanis
Professora de história do Colégio Equipe