Sou uma amante de bicicletas. Lembro-me da minha primeira bicicleta, a Pequena, roxa e branca. Eu sempre dou nomes para minhas bicicletas, porque acredito ser uma forma de reconhecimento pelo que elas me oferecem. Não tive muitas bicicletas, afinal elas sempre me ofereceram relacionamentos longos e duradouros.
Na infância, lembro-me do dia em que consegui tirar as rodinhas da Pequena e ficar dando voltas incansáveis no quintal de casa. Não sei como não afundou uma circunferência naquele quintal, de tantas voltas. Na verdade, acho que sei: eu podia andar de bicicleta na rua. Não que existissem ciclovias, mas não tinha muitos carros e os que existiam não eram muito potentes para correr, como se o dia tivesse três horas. Isso era nos anos 80, numa cidade no interior, todas as crianças do bairro com bicicletas, as ruas e muito tempo para brincar.
Eu cresci, me mudei de cidade e agora São Paulo está começando a ter que conviver com as bicicletas. O meio de transporte “do futuro” foi inventado há muito tempo e quem reconhece e aceita isso mais rápido sofre de menos dores nas colunas, terá ruas com menos buracos, tem músculos mais fortes, jogará menos fumaça no ar e terá fôlego para ir mais longe, afinal as pessoas e a cidade terão que se misturar e se fortalecer juntas.
Há nove anos, trabalho no Colégio Equipe, e há nove anos fazemos o Passeio Ciclístico no Parque Villa Lobos, ou seja, desde muito antes da cidade clamar pelas “magrelas” nas ruas. Nosso objetivo é buscar uma situação de convivência entre alunos, pais e educadores da Educação Infantil ao 5º ano do Ensino Fundamental. Entretanto, o que nós alcançamos todos os anos é muito maior do que uma convivência. São famílias que percebem como é passar uma manhã no parque com seu filho. São rodinhas sendo tiradas para poder ir mais rápido, a consciência da importância de se ter condicionamento físico, o prazer de andar de bicicleta com os amigos, perder o medo de cair, levantar e seguir em frente.
No sábado, dia 07, aconteceu o IX Passeio Ciclístico do Colégio Equipe em um dia nublado, do tipo que causa dúvida sobre se vai chover nos próximos cinco minutos. Mas isso não me impediu de pegar a Linda (este é o nome da minha bicicleta atual), encontrar minha parceira de sala no caminho e pedalar até o parque. Chegando lá, quantas surpresas! Descobri que muitos dos meus alunos já andam sem rodinhas! Pareciam tão pequenos e lá mostravam que eram tão grandes e capazes! Essas situações enchem o peito de alegria de uma professora e você percebe que pode mudar muitas coisas em seu planejamento. Crianças com aquele equilíbrio, energia e concentração com certeza conseguem aproveitar muito mais os conteúdos escolares, e lá eu conseguia ter certeza disso.
Minha companheira de série um dia me alertou que o papel de um professor é parecido com aquele de quem se dispõe a ensinar alguém a andar em uma bicicleta. Ele não sobe em sua bicicleta e mostra como andar, mas corre ao lado, segurando a bicicleta até que o aprendiz perca o medo e peça para ele soltar, para seguir pedalando sozinho.
Durante uma das voltas pelo parque, um pai me perguntou: “Você consegue imaginar o que é ver um filho andando de bicicleta?” E ele mesmo me respondeu: “É uma mudança de paradigma que emociona e dá vontade de chorar”. Eu fiquei com esta frase na minha cabeça, pensando que este passeio era muito maior que um estímulo à atividade física e à convivência com a comunidade escolar.
Ali estávamos tratando de crianças que andavam ao lado de seus pais com uma das ferramentas mais libertadoras que inventamos. Quem já andou em uma bicicleta sabe o quão longe você é capaz de ir: ela não precisa de combustível comprado com dinheiro e o vento na face faz o sorriso abrir mais fácil.
Luciana Justi
Professora do 1º ano da Manhã / 2016