Resolução de conflitos na Educação Infantil (Parte 2)

Como o professor deve intervir na resolução de conflitos?

Na semana passada abordamos a questão de como a experiência com grupos heterogêneos na Educação Infantil favorece uma regulação mais autônoma dos conflitos por parte das crianças (link). Neste post falaremos mais sobre como o professor deve intervir na resolução de conflitos.

Algumas regras são claras, geradas pelo princípio de que, na escola, as crianças precisam respeitar o adulto, as outras crianças e as situações de aprendizagem propostas. Nesse sentido, não é permitido tirar objetos da mão do outro sem pedir, agredir fisicamente, pegar para si o que pertence a outro ou à escola, rasgar os materiais utilizados nas atividades etc.

Outras regras, no entanto, envolvem questões subjetivas, que exigem debate e sofrem interferência de diferentes razões ou circunstâncias. Quem manda na brincadeira? Vale a mesma criança mandar o tempo todo? Uma criança tem o direito de dirigir-se para o lanche de mãos dadas sempre com o mesmo colega? Quem propõe uma brincadeira tem o direito de escolher quem pode participar ou não? Uma criança pode impedir que outra se sente ao seu lado na roda de conversa?

 

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As crianças, além disso, abandonam as agressões físicas e, antes que possamos nos aliviar, passam a utilizar agressões verbais. Xingam-se e trocam ameaças, como “Eu não brinco mais com você” ou “Você não vai mais na minha casa”, e por vezes choram como se isso doesse mais do que um pontapé.

Soma-se a isso o fato de que as crianças dizem o que pensam sem considerar como se sentiriam se estivessem no lugar de quem as está ouvindo, comentando, por exemplo, que o desenho de um colega está horrível ou que o cabelo de um colega, que chegou com um novo corte, está ridículo.

 

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As crianças não precisam ser amigas de todas as demais, nem convidar todas igualmente para ir à sua casa, nem contar segredos distribuindo-os de forma equilibrada aos colegas… Na escola, porém, não podem excluir intencionalmente outras crianças de suas brincadeiras e precisam aprender a manter atitudes respeitosas, com discrição quanto a convites e confidências particulares. Uma coisa é não convidar um colega, outra é dizer que não vai convidá-lo, ou que está convidando o outro colega pela terceira vez, em detrimento dele. Uma coisa é não contar um segredo, outra é contar na frente de um colega, sem deixá-lo ouvir, ou lembrar que compartilha com o outro um segredo que ele desconhece. Isso, que parece uma obviedade, é uma sutileza que precisa ser aprendida.

 

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Acreditamos que a intervenção do adulto, em todos esses aspectos, é fundamental, explicitando as regras, apoiando a verbalização dos incômodos e a imposição de limites entre as próprias crianças, abrindo espaço para conversas sobre as questões mais subjetivas – que dependem do incômodo que as situações geram em cada um no grupo e exigem acordos particulares – e mostrando indignação diante de comentários ou atitudes que, mesmo sem a intenção, são desrespeitosos ou magoam.

As crianças não precisam ter medo do adulto para conter seus impulsos e aprender a agir de forma respeitosa com os demais, e nem é isso que queremos, já que, dessa forma, agiriam conforme seus impulsos caso um adulto não estivesse por perto e acreditassem que ele não viria a ter conhecimento.

 

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Uma conversa calma e séria sobre como são tratadas por nós, que as educamos para tratarem os demais com respeito, mostrando indignação por atos que consideramos desrespeitosos e agressivos, nos revelou ser o melhor caminho, confiando na necessidade que as crianças pequenas têm de corresponder às expectativas e se sentir aprovadas pelos adultos com os quais mantêm vínculos de confiança.

Mesmo as crianças mais difíceis, que parecem não se importar com o que dizemos, sentimos ou pensamos, e que defendem firmemente seu direito de fazer o que querem, aprendem gradualmente a se conter caso tenham a possibilidade de estabelecer um vínculo saudável com o adulto e se sintam acolhidas no contrato coletivo estabelecido, em troca do prazer de serem queridas no grupo.

 

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Algumas crianças, em certos períodos, chegam a precisar ser contidas fisicamente por um adulto. Se o fizermos com firmeza, sem raiva e com a certeza de que estamos contribuindo para que possam conviver em grupo, podemos de fato ajudá-las a se conter, enquanto solicitamos que aprendam a fazê-lo sozinhas.

Há crianças que se mostram terríveis, por exemplo quando descem para o parque e batem nos colegas ou perturbam a brincadeira ora de um, ora de outro. Dizemos então que já chega e pedimos que se sentem ao nosso lado para observar como os demais estão brincando de forma respeitosa. E não é que eles se sentam? E só se levantam quando dizemos que podem voltar à brincadeira, depois de se comprometerem a voltar de um jeito mais respeitoso. Isso mostra que mantêm e se importam com o vínculo estabelecido conosco.

 

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As conversas com uma criança só não podem virar um sermão. Um sermão é quando o adulto fala sozinho, por vezes com a voz alterada, repetindo tudo aquilo que a criança já se cansou de ouvir, o que a leva a se distanciar afetivamente da situação. Aquele adulto, para ela, é um chato; então ela dá de ombros, suporta ouvi-lo dizer o que quiser e mantê-la afastada da brincadeira, mas depois faz o que quer e ri do desespero do adulto, demonstrando prazer pelo fato de que ninguém a controla. As crianças são muito mais ágeis em nos controlar e não temos por que entrar nessa disputa.

 

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Precisamos achar o tom da conversa, que nasce do vínculo que temos com aquela criança, da clareza que temos do que ela precisa aprender e da firmeza de que não vamos abrir mão daquela exigência. É como se disséssemos: “Gosto de você e vou continuar gostando, então não vou deixar que estrague isso, que me faça ficar com raiva tendo atitudes agressivas em relação a mim ou aos demais”.

Em geral a conversa basta, mesmo que precise ser repetida muitas vezes em circunstâncias similares. Algumas situações de contenção física podem ser também necessárias. Se, nesse processo, avaliamos que o vínculo estabelecido é frágil e que as intervenções não têm resultado, ainda que gradual, é fundamental buscar orientação especializada.

 

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O olhar e a intervenção do professor são importantes nesse processo. Se o professor deixa passar situações de ofensa, injustiça, exclusão, mesmo que não intencionais, sem intervir, esses modos de relação vão se estabelecendo entre as crianças. A conversa constante com as crianças, coletiva e individual, a partir da reflexão do professor sobre as atitudes e necessidade de aprendizado de cada uma, é que vai garantir um avanço do grupo na questão da gestão e autorregulação dos conflitos próprios da convivência de forma amistosa, solidária, respeitosa, ética.

 

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Adriana Mangabeira 
Atual coordenadora do Ensino Fundamental I e uma das autoras do documento curricular do Colégio Equipe da Educação Infantil