Trabalho de campo, conhecimentos iniciais e problematização
Que olhares desvendam Santos? Esta é a questão-problema que orienta o trabalho de campo que o Colégio Equipe desenvolve com os 6ºs anos. A questão se insere num projeto de pesquisa que acontece ao longo do ano e cujos resultados são apresentados na forma de um almanaque e em socializações orais com os alunos dos 5ºs anos. Mas por que uma questão de escopo tão amplo?
A questão-problema, escolhida pelos professores, tem como objetivo suscitar nos alunos a elaboração de outras perguntas de seu interesse de pesquisa, bem como propiciar as condições necessárias para que cada disciplina envolvida no trabalho possa levar os alunos a aprender determinados conceitos, exercitar procedimentos, fazer uso de instrumentos e a ampliar a construção de uma postura investigativa em relação a fenômenos e acontecimentos.
Entendemos, no Equipe, que o Ensino Fundamental II é o ciclo por excelência em que os alunos se aproximam de forma sistemática de teorias e métodos que são próprios de cada área do conhecimento. O 6º ano se constitui na porta de entrada para esse processo e, nesse sentido, Que olhares desvendam Santos? contribui de forma significativa para que Ciências Naturais, Geografia e História possam levar os alunos a conhecimentos que lhes são específicos. Mas, então, como promover as condições para que a pesquisa tenha um caráter interdisciplinar, marca do projeto pedagógico da escola?
Sabemos que as fronteiras de uma área de conhecimento ficam mais nítidas quando os objetos de estudo dessas áreas são vistos também em diálogo, ou seja, quando uma mesma paisagem, por exemplo, pode ser descrita e analisada de diferentes pontos de vista, o que faz com que ela ganhe a complexidade que os objetos de estudo apresentam aos olhos daqueles que se propõem a desvendá-los. Tarefa nada fácil para alunos ainda tão pequenos. Que intervenções docentes podem ajudá-los? Que atividades são desenvolvidas antes do trabalho de campo?
Nas primeiras aulas de Projetos, disciplina que articula todas as áreas envolvidas no trabalho, criamos situações que nos forneçam elementos para conhecermos os olhares que nossos alunos lançam para Santos antes da viagem. Neste ano, a professora solicitou aos alunos que fizessem um desenho que representasse Santos. Já no processo de sua produção, foi possível ouvir que muitos dos alunos nunca tinham ido a Santos e, portanto, se perguntavam como fazer o desenho, que a princípio deveria ser de memória.
Do total de alunos que temos, 25% nunca tinham estado em Santos. Sabíamos, no entanto, que alguma imagem da cidade ou da região eles deveriam ter. A consigna se ampliou para ‘faça um desenho que represente Santos, mesmo que você nunca tenha ido para lá”. E os desenhos, entre muitos elementos interessantes, nos mostraram Santos com uma vasta área rural, mais parecendo um município do interior do estado; outros, retrataram de forma recorrente a praia e, ainda, houve aqueles que reafirmam a força da imagem do Pelé. Santos é isso? É só isso? Que mais Santos pode ser? O que queremos saber sobre Santos com nossa pesquisa?
Nesse momento, já se faz importante socializar e problematizar os conhecimentos que os alunos têm sobre Santos, o que ocorreu a partir de uma conversa sobre a leitura que fizeram dos desenhos da classe, e oferecer a eles fontes (textos escritos, mapas e reportagens em vídeo) que contribuíssem para a ampliação ou ressignificação de seu conhecimento. Com isso, foi possível aos alunos elaborarem perguntas que gostariam de responder e à professora, com a colaboração dos colegas de Ciências, Geografia e História, dizer aos alunos o que poderíamos investigar nesse momento. Que função formativa tem os interesses apresentados e não contemplados?
Esse processo contribui para que os alunos aprendam a delimitar seus objetos de pesquisa. Trata-se de um processo de longo prazo, retomado em todos os anos da escolaridade e cujos resultados podemos ver, mais claramente, no recorte temático das monografias dos alunos do 3º ano do ensino médio.
No 6º ano, no entanto, os alunos sabem desde o início que desenvolvem uma pesquisa de caráter coletivo e, portanto, que o saber e os interesses dos colegas têm a função de instigar o aprimoramento do conhecimento e de complementá-lo. Que olhares desvendam Santos? Traz também a importância da singularidade de cada olhar e do trabalho individual na composição de uma pesquisa coletiva, outra marca do projeto pedagógico do Equipe. Como fazer dessa intenção algo concreto?
Valorizamos a socialização das observações em campo e dos registros em plenárias durante o trabalho e em atividades nas aulas após o retorno da viagem. Os alunos, divididos em grupos e duplas ou trios, são convidados a duvidar do que veem ou acreditam num primeiro momento, a elaborar suposições, hipóteses, a expor seu ponto de vista, a justificá-lo e registrá-lo. A socialização e a problematização desse material – pelos colegas, pelo monitor (aluno do 3º ano do EM) e pelos professores -, contribuem para a configuração de um ambiente investigativo de caráter coletivo, promovendo as condições necessárias para que os alunos respondam a questão-problema.
Agora com o repertório sobre a cidade ampliado em alguma medida, os alunos têm condições de atribuir sentido aos conteúdos a serem desenvolvidos no campo. Perceber a relação entre a Santos localizada no mapa do estado e a aquela à qual nos dirigimos quando subimos no ônibus e observamos o percurso. Articulando o conceito de Patrimônio, conhecer sua história e de seus acontecimentos, descrever paisagens, permanências e mudanças na ocupação do espaço, funções e formas de determinadas edificações, além de exercitar procedimentos de desenho, descrição e leitura da paisagem urbana e natural e de fachadas e interiores de construções históricas. Localizam-se, assim, temporal e espacialmente na Santos que eles encontram. Mas isso é tema para outro post…
Celina Fernandes
Orientadora Educacional e Pedagógica do Ensino Fundamental II