Todo ano a escola realiza um acampamento com os alunos do Ensino Fundamental II. É uma viagem organizada pelos professores de Educação Física, para proporcionara integração, a convivência e a cooperação entre os alunos. Afinal, no dia a dia da escola, a maior parte do tempo se passa sentado em sala de aula. Então a proposta é passar três dias todos juntos jogando, brincando e interagindo. O importante é que todos se envolvem muito, novas amizades acontecem e dificuldades, como a timidez ou o respeito às regras, se não são superadas, são pelo menos trabalhadas.
Dentre as atividades, uma das que mais motivam professores e alunos é um jantar dançante. Aqui na escola os alunos definem quatro estilos de música e se sorteiam equipes e professores para cada um. Talvez exagere um pouco, mas assim que se sorteia o tema musical, qual roupa usar e como dançar passam a ser as maiores preocupações didáticas-pedagógicas dos educadores e dos alunos, inclusive as minhas. Equações, regras gramaticais, os biomas brasileiros, a Revolução Francesa perdem sua importância… Lá no acampamento, cada equipe faz uma apresentação em que professores e alunos dançam juntos, pois é uma competição.
O estilo musical que me coube este ano foi o funk e eu faria parte da equipe do professor Nélson, de Educação Física. Funk? Justamente. A situação não era fácil. O que fazer para me sair bem dançando funk? Já de cara pensei em me vestir como homem e não como mulher, assim, em vez de shorts justo, usaria uma bermuda larga que pediria emprestada do filho. Fazer acrobacias e rodopios no chão me parecia menos pior do que rebolar. Decididamente não pega bem uma diretora rebolante!
No ensaio após o jantar foi que me deparei com outro grande desafio: apesar do funk ter sido escolha dos alunos, eles estavam com muita vergonha, ninguém queria rebolar! Muito menos até o chão! A princípio tentou-se uma conversa para saber quem sabia fazer o quê, o que dizia a música e como poderia ser a coreografia. Alguns passos foram ensinados pelos monitores. Mas na hora de dançar mesmo, a travação foi geral. Principalmente das garotas. Meninos para um lado, meninas para o outro. Ninguém ouvia ninguém. Nem a liderança do Nélson, nem minha autoridade de diretora serviam para alguma coisa…
Ainda assistíamos aos ensaios das outras equipes! Panos, lanternas, adereços, caixas de papelão e o principal: alunos motivados fazendo o que era sugerido pelos professores e monitores. O pior não era perder, o pior era os alunos não vencerem a barreira da vergonha e não se divertirem. Com algum custo, combinamos um semicírculo com duplas entrando no meio e fazendo os passos que sabiam. No sorteio da ordem, ficamos por último. Ainda mais essa! Teríamos a chance de ver todas as apresentações mais bem elaboradas do que a nossa antes de entrar em cena para confirmar nosso fiasco… E assim foi! Ótimas apresentações. Realmente todos os professores são muito criativos! Excelentes lideranças e modelos para os alunos…
Por fim chegou a nossa vez! Antes de entrarmos em cena, Nélson chama todos para perto dele e grita:
− Moçada, é o seguinte: todas as outras equipes investiram nos adereços, nós vamos dançar, estão entendendo! Afinal isso aqui é uma competição de dança! Quero todo mundo dançando, ninguém encostado nas paredes, estão entendendo?! Vamos lá, vamos dançar!
Senti na pele e no grupo o efeito de um belo discurso motivacional! Imediatamente a vergonha foi deixada pelas paredes e entrou em cena um bando de frequentadores assíduos de bailes funks. Tamanha era a empolgação, que não seguiram a orientação de semicírculo e de duplas. Eram acrobacias, passos, rebolados por toda a parte. Dos garotos e das garotas. Quando vejo o Nélson ir para o centro arrastando a bunda pelo chão, não perco a chance e o imito. Aproveito e dou um giro de costas, sem nunca ter feito isso antes e, para acabar, arrisco uma estrela! O público vai à loucura! Aplausos, gritos e assobios não param assim que se encerra a música. Os alunos ainda gritavam:
− O funk é campeão! O funk é campeão!
Eu e Nélson não acreditávamos na transformação ocorrida no grupo tímido e envergonhado. Fosse qual fosse o resultado, já nos sentíamos vencedores. Finalmente anunciam que ficamos em segundo. Não posso dizer que nos decepcionamos, tínhamos perdido no júri técnico, mas conquistamos o coração da molecada. Mas mais significativo do que a apresentação, foi todo o processo vivido. Será que ensinei alguma coisa com esta dança inusitada? Vencer a timidez? Superar limites? Ganhar? Perder? Provavelmente nada. Mas certamente o episódio trará lembranças agradáveis a todos que o vivenciaram e quem sabe suscitar boas risadas. E o que pode ser mais importante do que rir?
Luciana Fevorini
Diretora Escolar