“Os meninos [persas], que frequentam essa casa de instrução, aprendem a justiça, e dizem que andam cultivando essa virtude, assim como entre nós [gregos] dizem que andam aprendendo as letras os meninos que principiam a cursar as escolas”
Xeonofonte, Ciropedia
Neste momento em que o Brasil está envolvido em uma grande tensão política, não de partidos, mas de instituições, nossa condição de professores ressalta como agentes de opiniões e portadores de posições ideológicas, políticas e partidárias.
Aceita-se que instituições de ensino e professores têm ascendência sobre as noções éticas e morais de crianças e adolescentes. Posições que podem ser confundidas com filiações partidárias. As instituições escolares são convocadas também a participar, como todos os outros aparelhos sociais e cidadãos, neste momento de maturação e desafio às bases da fundação constitucional, exibindo seus parâmetros de comportamento adequado e ético ou desonesto e vil, de certo e errado.
A relação entre professores e estudantes se funda em um sensível vínculo afetivo, intelectual e intersubjetivo. Como em outras relações fundantes de nossas perspectivas morais, a confiança é fundamental. As crianças interpelam seus professores sobre um mundo de assuntos particulares. Ao contrário do que possa parecer quando ouvimos em nossas casas narrativas anedóticas descontextualizadas contadas por nossas crianças, esses momentos de compartilhamento da vida civil e cotidiana produzem empatia e confiança, pois muitas vezes patenteiam a humanidade comum de professores, que esquecem chaves, frequentam festas, fazem dietas ou são multados.
No que se refere à orientação política particular, em momentos de grande mobilização discursiva, como eleições, crises ou plebiscitos, não só as instituições de ensino são chamadas a interferir no debate, mas também professores e outros agentes educacionais, que no exercício de suas funções não declinam de suas condições de cidadãos. Aqui também vale a regra dos vínculos educacionais, que exigem que sejamos honestos com nossos alunos ao preço de perdermos a credibilidade, que é fundamental no dia a dia de trabalhos e reflexões escolares.
Em um momento em que toda a sociedade, suponho, sente-se um pouco intimidada e insegura para decodificar o complexo cenário institucional, em um momento em que grandes instituições da indústria, do agronegócio, das igrejas evangélicas e de empresas de mídia exercem uma evidente intimidação moral sobre quem possa ser mobilizado, julgo fundamental que não abramos mão de nosso papel de formadores e moderadores de ambientes reflexivos e altamente culturalizados, ambientes que podem se valer do privilégio da remissão ao passado histórico, a conceitos científicos, a exemplos práticos, para oferecer também uma orientação, não para que ela seja doutrinariamente seguida, mas para que seja um posição clara e justificada argumentativamente e que servirá como uma outra possibilidade na formulação das posições particulares dos estudantes.
Estudantes americanos em 1943. © Library of Congress
Finalmente, evitemos infantilizar as crianças, que são reflexivas, ponderadas e racionais, muito embora, como nós adultos, atravessadas por seus afetos, que muitas vezes nubla as trajetórias dos argumentos. As crianças não estão aí como sujeitos passivos de nossos preconceitos de direita, esquerda ou centro. Elas são diferentes de nós, e trabalhamos para que sejam melhores que nós.
Iuri Pereira
Professor de Português do Ensino Médio do Colégio Equipe