No que pensam as crianças? (Parte 2)

(leia a parte 1 aqui: link)

Os cronistas do 8° ano do Colégio Equipe, talvez não tão crianças, começam a percorrer a cidade sozinhos. Descobrem trajetos, manhas do metrô e do ônibus, personagens. Muitos andam com um caderninho de anotações, fazem exercícios de observação, de aguçar o olhar cronista e encontrar, na aparente banalidade do dia a dia, material de escrita e reflexão.

 

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“Leitores, aqui vou contar sobre como foi (e ainda está sendo) minha experiência de deixar de ir de perua para a escola, para começar a ir de ônibus.”

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“Mas nesse dia foi difícil, o dia começou como qualquer, dia normal de aulas e blá blá blá, estávamos indo pro metrô assim de boas, então o mundo parece que desabou e todas as pessoas do mundo estavam lá, na estação da Marechal Deodoro,(…)”

http://serelepipimpolho.blogspot.com.br/

“Hoje eu estava indo para a escola, e fiz uma pausa pra comprar um chiclete na banca… Passei por um farol, então continuei a andar e ouvi uma mulher gritando comigo, naquela hora senti tanta vergonha que não virei, mas ela gritou tão alto que comecei a gritar:

– O que é que você quer?

– Din-din!!!

– O que é din-din?

– Dinheiro, sua fora de moda!!

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“Meu lugar favorito no parque é o lago, perto deste lago tem uma árvore grande, com folhas bem verdes, aquela árvore é a minha preferida, para outras pessoas pode ser só mais uma árvore do parque, mas para mim, é a árvore, gosto de sentar embaixo dela, e ficar lá, até a hora de ir embora chegar. Fico lá observando as pessoas, lendo, olhando o lago.”

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Escrevem sobre urbanismo, construções bizarras em meio aos bairros, figuras que encontram pelas ruas. Os cronistas registram a desigualdade social, procuram conversar sobre isso, militam e contam da militância, por uma cidade melhor:

“A menina sorriu, e foi em frente, com o chinelo rosa fazendo barulho sobre as pequenas pedras, ela sorriu e pegou um pedaço de pizza, algo que parecia ser precioso. E deu uma mordida. E foi vendo isso que eu entendi. Somos uma comunidade, precisamos uns dos outros, ajudamos uns aos outros e fazer algo gentil não custa caro, e por isso, pelo povo de São Paulo, por mim, por você, por nós, estamos tentando salvar o parque Augusta.”

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Em meio a reflexões sobre livros e mortes de personagens favoritos, escrevem sobre a crise hídrica e seus desdobramentos:

“EPA! Sem água, não tem energia elétrica, pois ela vem das usinas hidroelétricas, que são movidas a água. Então, não teríamos nem água nem luz? Espero não precisar escrever uma crônica dizendo: como assim já acabou a luz?”

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As crianças adolescentes escrevem sobre os espaços que ocupam e os espaços que gostariam de ocupar. Sobre modelos impostos, turmas, a medida das coisas e a própria medida. Falam da dificuldade de simplesmente ser, achar um lugar para si neste mundo, na escola, na vida:

“Quando você vê uma pessoa na rua o que você pensa sobre ela? Não se engane com as aparências (…).”

http://coisasirrelevantesmaisimportantes.blogspot.com.br/

“Por que será que todo roqueiro é obrigado a usar roupa preta e ser rebelde? Por que todo mauricinho deve usar blusa polo com a gola alta? Por que será que todo hippie toca violão e usa faixa na cabeça?”

http://luizaidealiza.blogspot.com.br/

“Ah velhos tempos discutindo com a minha mãe, e isso porque as crianças do meu colégio de Salvador diziam que eu era uma desenhista muito boa, e que tinha que me tornar artista, mas… como assim eu TINHA que me tornar artista?”

http://olhopararefletir.blogspot.com.br/

 

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“Eu sempre pensei: como assim só futebol? (…) Então, aos 8 anos de idade, cheguei a uma conclusão final. Cheguei à conclusão de que seria melhor viver em outro país com outro futebol.(…) E com uma maior variedade de temas e medidas.

Do que o Brasil.

Feito para o futebol de pé.

Com uma menor variedade de temas.

E tendo o Futebol como a maior e principal medida.

Mas descobri que também há pessoas como eu.

Pessoas da mesma medida a que eu pertenço.

Mas que gostam das mesmas coisas que eu gosto.

E então, descobri que, mesmo estando num país “futebolístico”, poderia ficar nele em paz.

Com a pequena medida.”

http://ascronicasdetanarniasqn.blogspot.com.br/

“Sempre fui assim. Posso mudar algumas coisas, posso. Mas esse é meu jeito, e jeito a gente não esquece, a gente zela, dentro da gente.”

http://oraoraisadora.blogspot.com.br/

“As pessoas não podem ter o seu jeito? Tem que se preocupar com o que os outros pensam dela? Tem que ser idêntica a todo o mundo? Se fosse assim, só existiriam clones sendo reproduzidos pelo mundo e pronto! Por isso que, se um dia essa “onda” realmente acontecer, vou querer ser um nada, para poder ser eu mesma.”

http://meujeitoalienigena.blogspot.com.br/

 

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Escrevem sobre estereótipos, preconceitos e pedem para que sejamos, todos, mais gentis:

“Basicamente o que estou querendo dizer com esta crônica, é que há bilhões de pessoas ao redor do mundo, que podem ter alguma ligação com você ou não, mas o que importa é que somos todos iguais, pode haver diferenças nas personalidades ou em outra coisa, mas todos nós temos os mesmos direitos e às vezes até os mesmos problemas, então caro leitor, peço que da próxima vez que olhar para qualquer outra pessoa, pense duas vezes antes de falar algo que não seja um elogio, não quero tirar sua liberdade, quero apenas que sejamos pessoas melhores, que convivam melhor.”

http://jaocronicas.blogspot.com.br/

 

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Escrevem sobre a noite. Os barulhos da casa à noite, os bichinhos de pelúcia aninhados na cama, e o prazer de ler:

“Toda a casa está escura, menos meu quarto. Os únicos barulhos que escuto são das pessoas conversando em prédios vizinhos e minhas gatas andando sutilmente (…). Minha mãe e minha irmã estão no quinto sono, eu não. Estou em minha cama, travesseiro apoiado na cabeceira, lençol cobrindo as pernas (que estão dobradas), todos os meus 7 bichinhos de pelúcia exatamente posicionados em seus devidos lugares, meu abajur ligado e: um livro em meu colo.”

http://naestantevermelha.blogspot.com.br/

 

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Contam sobre as descobertas da vida:

“Quando eu era menor, minha casa era rodeada por músicas. Meu irmão sempre colocava um disco na vitrola e aumentava o volume, colocava coisas como Clube da esquina. Nós corríamos e dançávamos pela casa cantando Um girassol da cor do seu cabelo. Ele me mostrava músicas do Caetano, Chico, Cazuza, Cartola, entre outros. Comecei a me interessar pela música nacional, nossa música. Um dia, quando eu tinha 11 anos de idade, ou mais, meu irmão me convidou para um show do Cazuza, ou melhor, com as músicas do Cazuza, que na época já era falecido.”

http://mccronicas.blogspot.com.br/

 

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As crianças cronistas afiam os olhos e buscam histórias. Falam sobre a chuva e as narrativas que a chuva traz. Cronistas que são, afiam o olhar sobre o mundo, e o observam, devagar:

“Eu gosto da chuva, eu gosto do frio que se sente quando a chuva está por vir (…). Uma coisa que percebi é que a chuva pode trazer tanto água (…) quanto histórias, não importa se são insignificantes ou se são SUPER importantes, uma história você sempre vai ter.”

http://rochacastanha.blogspot.com.br/

“Quando finalmente chega minha hora de atravessar, vou andando bem devagar, ainda observando o homem das frutas. Mas um dia, olhei para o alto da arvore por onde passo todo dia e vi que não era uma árvore qualquer. Ela tinha chupetas. Várias chupetas penduradas, rosas, azuis, verdes, sujas, rasgadas, quebradas.”

http://escolhasuacor.blogspot.com.br/

Escrevem sobre iguarias gourmet:

Agora, muitas pessoas estão vindo para o lado delicioso da gastronomia barata, de um e cinquenta (…). Esses são os amiguinhos do “Glico”. A Julia não gosta de Glico, mas não o trata mal como o João. Ela diz que eu como tanto Glico que eu vou entrar em coma, principalmente agora, que a minha bebida preferida para acompanhar é Dolly sabor fanta laranja (…)”

http://historiasdeumkleyton.blogspot.com.br/

e mamilos masculinos:

“Bom, quando eu tinha mais ou menos uns 8 anos de idade, eu cheguei a conclusão de que os homens tinham mamilos para colocar piercings, mas eu achei que esta conclusão era meio idiota, e por isso continuei achando-os uma coisa muito estranha. Eu passei muitos anos da minha vida tentando desvendar esta difícil e complexa questão que estava corroendo o meu cérebro de curiosidade, até que um dia, eu li no “Mundo Estranho” que “todo o mamífero independente do sexo, têm glândulas especializadas na produção de leite, e essas glândulas se concentram na região dos mamilos (…).”

http://sabugovictor.blogspot.com.br/

 

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Finalmente, os cronistas equipanos escrevem sobre o próprio ato de escrever. O dom das palavras, seu uso e poder.

“Eu nunca entendi o nome dos objetos! Para mim é tão difícil entender o sentindo do nome “travesseiro”, por que não “apoiador de cabeças”? Como é que a pessoa que nomeou o travesseiro de “travesseiro” fez? ”

http://cravoetulipa.blogspot.com.br/

Em um mundo onde todos falam, mas poucas pessoas realmente dizem alguma coisa, nasceu um menino: Silêncio, filho da Voz e do Som:

“Em um mundo em que as pessoas tinham nomes (…) exóticos, um garoto chamado Silêncio, de dez anos, só sabia dizer a palavra FALA. (…) ele dizia principalmente quando as pessoas começavam a dizer várias coisas ao mesmo tempo e muito rápido, isso deixava ele nervoso e para tentar fazer parar gritava FALA. Todos ensinavam (ou tentavam ensinar), outras palavras pra ele, mas ele continuava dizendo FALA. Com o tempo seus pais, Voz e Som, estavam achando isso muito estranho, e foram em busca de terapeutas, médicos, ou qualquer coisa que fizesse Silêncio a falar.”

http://emplenosbancosdepraca.blogspot.com.br/

 

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No Colégio Equipe acreditamos que educar é um diretivo e político, de otimismo e esperança. Os cronistas equipanos  pensam muito,  escrevem e reescrevem um bocado, sobre muitas coisas. Em tempos desesperançados, ou não, ouvir suas vozes dá força e alento. Aprendamos com eles: que possamos ser mais gentis, melhorar a nossa cidade, descobrir nossos espaços, achar nossas medidas, ler nossos livros, chorar por nossas perdas. Que possamos brincar nas ruas, percorrê-las livremente, descobri-las; que cultivemos nossas amizades e conversas, os cuidados familiares, as brigas. Que possamos escrever e ler, falar e escutar, Achar nossas vozes, em meio a tanto barulho.

Luana Chnaiderman de Almeida

Professora de Português do F2 do Colégio Equipe e autora do livro Minhocas, Editora Cosac Naify, 2014.

Para acessar o blog Blogueiros equipanos, com o link de todos os blogs e mais explicações sobre o projeto:

http://lululeitora.blogspot.com.br/