A Mostra e os Monstros

Conhecimento e prazer no ensino de Língua e Literatura.

Nesse país tão carente de leitores, muitas são as iniciativas que pretendem incentivar a leitura e a escrita. Boa parte delas, no entanto, esbarra na ineficácia de considerar apenas um aspecto da leitura: seja seu caráter informativo, de propiciar acúmulo de conhecimento, erudição; seja seu caráter lúdico, de brincadeira divertida, de propiciar prazer imediato ao leitor.

A insistência no primeiro aspecto gera a postura dos professores que consideram a leitura uma forma de os alunos “adquirirem conhecimento e cultura” e até, quem sabe, “subir na vida”. Ou seja, a leitura surge como um remédio: algo que faz bem, embora possa ser amargo e entediante. Qualquer leitor contumaz sabe que não foi assim que passou a se interessar pelos livros. Evidentemente não é assim que se vai formar nenhum leitor interessado.

 

flora

 

Já a tendência a se estimular a leitura enfatizando seus aspectos lúdicos muitas vezes recai no estímulo à leitura de obras facilitadas, do prazer mais imediato e inconsequente. Nada contra o prazer, mas os professores preocupados em incentivar a leitura exclusivamente voltados para o prazer que pode provocar nos alunos muitas vezes se tornam reféns de obras menos elaboradas, imediatistas e até superficiais. Ou seja, pouco interferem no gosto já cristalizado dos seus pupilos. Não trabalham com o intuito de levar os alunos a lerem livros mais complexos e por vezes mais “difíceis”.

Assim, só com a consciência de que a leitura é prazer e diversão que, quanto mais sofisticados, mais levam naturalmente à aquisição de conhecimento, é que se pode incentivar com consistência a leitura.

 

Malu_A_e_Joao

 

Outro mito que carece investigar sobre a questão é o de que um bom leitor se transforma necessariamente em bom escritor. Escrever se aprende escrevendo, não lendo. No entanto, o hábito da leitura das complexidades dos textos de autores consistentes evidentemente estimula o desenvolvimento de uma escrita mais apurada e consciente. Mas não garante nada se os alunos não tiverem o hábito e a prática de escrever cotidianamente.

Já o crescimento do hábito e do prazer da escritura influenciam diretamente na capacidade de leitura mais atenta e perspicaz. Assim, podemos inverter a mão da afirmativa: um bom escritor, este sim, se transforma necessariamente em bom leitor, pois consegue perceber as peculiaridades de um texto bem escrito. Logo chegamos à conclusão que pode ser surpreendente até por sua simplicidade: se quisermos incentivar a formação de leitores mais sofisticados e aprofundados, temos, antes de mais nada, de formar escritores mais conscientes.

 

Pedro_A

 

O Colégio Equipe, nos seus quase cinquenta anos, tem formado gerações e gerações de bons escritores e de leitores muito apurados. Isto certamente está ligado ao fato de ter sido a primeira escola no país a desenvolver um curso específico de redação desenvolvido por décadas pelo professor Gilson Rampazzo. E também por sempre procurar incentivar a leitura que encontre prazer na dificuldade, alie diversão e conhecimento.

 

bernardo

 

A realização da Mostra Literária dos alunos de Educação Infantil e Ensino Fundamental – link -, que aconteceu na escola na primeira semana de junho, deixa muito claro que este trabalho está sendo feito de forma primorosa. O trabalho do Ensino Fundamental se inicia com o projeto “Equipe do Equipe”, em que alunos do Primeiro Ano, ainda em processo de alfabetização, convidam profissionais de todas as áreas da escola para contar-lhes suas histórias preferidas. Assim, as crianças percebem que todos os adultos que os cercam têm as suas histórias e dividem seus conhecimentos por meio das narrativas. Aqui temos a primeira leitura construindo um repertório de informações fundamentais. Já o Segundo Ano apresentou o seu “Livro de Trava-línguas” em que se trabalha o aspecto lúdico da linguagem e se estimula as crianças a serem criativas e inventivas com a linguagem cotidiana. O trabalho apresentado pelo Terceiro Ano foi o da criação do livro de Contos sobre a criação dos papagaios. Partindo do estudo de lenda, as crianças recriaram o conto de diversas maneiras. Já o Quarto Ano recriou fábulas a partir do modelo de Esopo e La Fontaine, com a “moral da história” efetuando a passagem do concreto das narrativas para a abstração dos temas. E o Quinto Ano apresentou seu trabalho de elaboração de um jornal, com vários gêneros textuais que se encontram de fato na imprensa.

 

Ana_Luisa

 

Nota-se uma clara evolução nestes trabalhos. As crianças do Fundamental I iniciam reunindo histórias, passam a criar trava-línguas, em seguida recriam uma lenda, criam suas fábulas a partir do modelo clássico e por fim fazem um jornal, escrevendo em diversos gêneros. Do primeiro ao quinto ano os trabalhos vão ficando mais complexos, mas sempre lidando com o prazer do jogo com a linguagem, com o conhecimento adquirido na leitura e com as relações complementares entre leitura e redação. Abordando, sempre de forma orgânica e consciente os aspectos fundamentais do processo de incentivo à leitura que comentamos anteriormente.

Já os alunos do Fundamental II apresentam na Mostra livros que escreveram. O Sexto escreveu o livro Ano Vida Vivida, Vida Inventada, em que apresentam histórias que aconteceram de fato com eles intercaladas por aventuras imaginárias. O Sétimo apresentou seu Monstruário, livro de seres imaginários assustadores e o Oitavo Ano escreveu um livro de Crônicas, enquanto o Nono ano realizou performances surrealistas durante a Mostra.

 

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Ou seja, a contraposição do real e do imaginário perpassa todo o trabalho. Seja nas vidas reais e inventadas, na criação de monstros, na apresentação do cotidiano por meio das crônicas ou na reconstrução do Surrealismo.

Em suma, esta Mostra Literária do Colégio Equipe é muito útil para se perceber como a escola continua formando leitores e escritores competentes e conscientes: trabalhando com a literatura e a redação sempre como algo tão divertido que chega a ser sério, tão sério que chega a agradar, tão agradável que chega a ensinar.


 

Frederico Barbosa
Poeta e Professor de Redação do Colégio Equipe